O famoso reality-show holandês que quis sortear um rim, acabou, tudo não passando duma ficção publicitária.
Não sem se ouviram ou leram, mas vou contar o filme: a cadeia holandesa de TV BNN, um reality da ENDOMOL, uma doente terminal que oferece um rim e três doentes à espera dum transplante, competem para ver quem tem a sorte de o levar.
Escândalo, polémica, intervenção dos poderes públicos.
Finalmente a cadeia de TV, aclara tudo: a doente doadora, era uma actriz e o ruidoso anúncio era uma estratégia publicitária, para alertar e animar a população, para doarem os seus orgãos.
Verdade?
Mentira?
Quando alguém te engana uma vez, à segunda não podes estar seguro de que diga a verdade.
De qualquer maneira, não haverá competição de doentes pelas vísceras.
Há quem tenha respirado aliviado depois de saber que tudo era uma artimanha publicitária.
Eu creio que era exactamente o contrário!
Até agora, o que tínhamos exposto, era que uma cadeia de televisão e uma produtora, habituadas a levar as coisas demasiado longe, davam um novo passo em frente, num caminho que já bem conhecíamos.
O que temos a partir deste momento, pelo contrário, é realmente grave e mais a mais, amarra-nos numa dinâmica de consequências imprevisíveis: já não estamos contra o habitual atentado à dignidade humana, ofensiva esta a que ainda não estamos preparados para responder-lhe, mas sim, agora, temos de enfrentar o desaparecimento absoluto do critério de verdade, nas estratégias do ecrã da televisão.
Se alguém te quiser roubar a carteira, sabes o que deves fazer: defender o teu direito de propriedade, o qual passa pela polícia e pela defesa própria.
Mas se o que ocorre é que aparece um larápio que te diz ir roubar-te a carteira, pões-te em posição, tipo Bruce Lee e, em transe, o larápio tira o disfarce e diz-te que é um polícia e que tudo não passa duma brincadeira com uma câmara oculta, “olhe, está ali a câmara!”, então:
1) – Ficas com cara de imbecil
2) – O direito que ias esgrimir fica convertido em algo menor e como desdenhável.
3) – O autor da “brincadeira” de mau gosto ri-se nas tuas “ventas” e ainda tens que dar graças porque era tudo uma piada .
As opções, 1), 2) e 3), acumulam-se no baixo-ventre e nesses momentos, não sabes se hás-de pegar fogo à sede da BNN, por chulos, ou voltares a tua casa, com a cabeça coberta com a gabardina e decidido a não saíres mais por aí fora, onde o perigo da televisão poderá acessar.
Alguém acreditou na BNN, que era para tomar o pulso ás pessoas, para enganar o público, para gozar brincando com o conceito comum de dignidade, empregando-o como ferramenta de uma chicana, por mais social que seja a sua motivação ?
Alguém comparará, este episódio, com o de Orson Welles e os seus marcianos radiofónicos .
Mas há uma grande diferença: na época de Welles e incluso na nossa, uma invasão marciana, era inverosímil; hoje, pelo contrário, é verosímil que a televisão rife um rim !!!
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