Os crimes sobre as pessoas, mesmo que não sirvam para outra coisa, deixam-nos pelo menos por uns momentos, com parte do coração inutilizado.
O primeiro impulso que sentimos é o da vingança, que quiçá seja servida fria, nos saberia bem, se fosse quente ou amornada em banho-maria.
O abjecto assassinato do ex vereador socialista de Mondragón, faz-nos piores a muitos.
Todos os que temos repudiado a barbárie que é a pena de morte, considerando-a em si mesmo, um assassinato legal, temos sentido oscilar a nossa firme consciência.
Nuns convulsos instantes, recordamo-nos do que dizia alguém que transformou o seu critério exigindo que a suprimissem, primeiramente os senhores abjectos.
A verdade é que não somos anjos.
Essa alada estirpe condescendente que habita entre nós, (incluindo os anjos da guarda que desertaram), e perante um abominável crime sempre há algo na nossa natureza que solicita um castigo definitivo.
A única vantagem da chamada pena máxima é que não permite reincidentes, mas passado o primeiro impulso, damo-nos conta de que constitui um argumento.
Jorge Luis Borges (*), dizia em, "La historia universal de la infamia", que se era lícito assassinar um assassino, também seria lícito comer um canibal.
Os familiares da jovem marroquina esfaqueada em Granada, estão a pedir a pena de morte para o autor.
Muitos independentes, mas espanhóis principalmente, veria com gosto que se aplicasse idêntica medida ao assassino do ex vereador do PSOE.
Quando corre sangue, ficamos mais ferozes todos, incluindo os que nos salpicam.
Viver é ir-se construindo uma consciência e quando acreditamos que a edificação já estava mais avançada, surge do meio dela o ódio.
Essa é a vitória do terrorismo: não nos podemos contagiar com os seus móbiles, mas ás vezes podemos contagiarmo-nos com os seus procedimentos.
Durante algumas horas quase todos fomos pior do que aquilo que efectivamente somos.
(*)
Jorge Francisco Isidoro Luis Borges, (Buenos Aires, 1899 - Genebra, 1986), escritor argentino de poemas desafiantes e contos vanguardistas.
Entre a sua obra, conta-se: "La historia universal de la infamia (1935)", uma colectânea de contos baseados em crimes reais.
Recebeu inúmeros prémios e considerações, em 1961 comparte o Prémio Fomentor com Samuel Beckett, e em 1980 o de Cervantes com Gerardo Diego.
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