Sentou-se por cima da tampa da mala e forçou os fechos de cada lado, até conseguir uni-los, entre as suas pernas.
- Cansas-me!
Estupidificas-me ao ter que falar sempre do mesmo e tu sem entenderes nada.
Baixou a mala e agarrou a pega, com visível nervosismo, pousando-a contra uma parede, no hall de entrada do quarto.
- Vou-me embora!
Cansei-me de falar com neurónios depressivos e quase mortos.
E isto tem que ver com a amizade.
Não me considero tua amiga.
Não posso!
É impossível ver amizade entre tanto egoísmo.
Tuuuudo tem que ser como tu queres … tuuuuuudo!
Senão, a madame, deprime-se …
A madame chora.
Miúda tão rica como estúpida.
Basta!!!
Em posição fetal sobre o cadeirão da saleta, Margarida soluçava e escutava a irada despedida da sua companheira de quarto.
Ia lamentar-se por ela querer partir.
Joana, era a sua única amiga e tinha razão.
Odiou-se ao dar-se conta dos seus erros no meio duma crise.
Mas era orgulhosa, isso fazia-a insistir nos seus pontos de vista, até que a paciência de Joana chegou ao limite da tolerância.
Como hoje.
Só que … Joana, nunca tinha feito as malas antes.
E o que era ainda pior, é que ela atirou a roupa para dentro da mala, sem se preocupar se se enrugava …
Tudo com a força da sua determinação.
- Logo à noite, assim que tenha um local para me alojar, passo por cá, para recolher a mala.
A força da porta a bater, mostrou o nível de indignação e ira da sua companheira, quando por fim, partiu.
Talvez, à noite, quando voltasse para pegar na mala, estivesse mais calma e poder-lhe-ia pedir perdão.
Na rua, Joana deteve-se e respirou profundamente … sentia pena e arrependimento.
Talvez, à noite, quando fosse buscar a mala, já mais calma, pedir-lhe-ia perdão. ...
- ... O táxi deteve-se e o motorista acendeu a luz interior.
Joana já tinha preparado o dinheiro para pagar-lhe.
Desceu do veículo e olhou para o 5º andar, onde tinha a mala.
Uma sombra passou rapidamente perto da janela e em poucos segundos, a luz do quarto apagou-se.
Como noutras ocasiões em que Margarida permanecia envolta no seu orgulho, certamente que fingiria que estava a dormir para não falar.
- Enfim! Suspirou.
Com cuidado, fazendo parte da noite, abriu devagar a porta para pegar na mala que tinha deixado no hall.
Por um segundo, conteve o impulso de acender a luz e desmascará-la, mas não teria o menor sentido fazê-lo … assim que pegou na mala, saiu.
Pela manhã, voltaria para levar o resto dos seus pertences.
8.30 h, toca o telemóvel.
Tacteou com os olhos semi-cerrados por cima da mesa de cabeceira e sentou-se na cama para atender.
Detectou que era o telemóvel de Margarida.
Uma sensação de inquietude se misturou com a saturação do dia anterior ao recordar as variações de carácter da sua companheira.
- Está?
- É a menina Joana?
- Sim …
- Sou o sargento Victor e queria falar consigo agora mesmo.
Onde se encontra?
- Senhor Victor, estou muito assustada … esta chamada a partir do telemóvel da minha amiga, feita por si …
- Menina, sinto ter que lhe dizer, mas há motivos para o seu alarme.
Em que sítio se encontra?
- Estou na Pensão Estrela, na Rua de S. Julião, 27.
- Em poucos segundos, um carro estará aí, peço-lhe que venha.
O carro dirigiu-se ao local, onde durante alguns anos havia convivido com Margarida.
Nas imediações estava uma dúzia de polícias, diversos carros policiais com a suas luzes a piscar.
Também havia uma ambulância.
Joana mal chegou, verificou que tanto aparato só podia significar que a sua amiga estava morta.
O queixo começou a tremer-lhe prenunciando um pranto.
Um oficial abriu-lhe a porta do carro para ela descer.
Alguém a amparou por debaixo dum braço, ao ver que as suas pernas tremiam.
Trouxeram-lhe uma cadeira.
- Margarida, está … ?
- Lamento-o muito, disse o sargento. Assassinaram-na.
Joana não pode conter os vómitos
- É necessário que entre connosco na casa, pode haver algo que nos possa elucidar.
A porta da entrada do quarto, estava com uma faixa vermelha, o sargento levantou-a para que ambos pudessem entrar.
Mais além do hall de entrada, depois de transposta a porta, estava tudo revolto.
O sargento conduziu-a lentamente até ao quarto onde se encontrava a sua cama e a de Margarida.
No centro, um vulto coberto com um lençol, revelava a forma de um corpo, que parecia estar numa horrível contorção.
Num dos lados, via-se uma pequena mão descoberta e … ensanguentada.
Novamente tiveram que ampará-la pelas axilas, para sustê-la e não cair.
Pediram-lhe que olhasse para um dos espelhos do quarto, onde o assassino havia deixado um recado, escrito com o próprio sangue da sua vítima.
Joana levantou a sua cabeça e leu …
" Se tivesses acendido a luz … estarias junto a ela "!
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