quinta-feira, 18 de outubro de 2007

A FIGUEIRA (La higuera)




Hoje falarei do último e inquietante romance que li, uma história que ainda tenho cravada as suas raízes na minha alma, com uma presença que se mantém, por mais que não queira ou possa pensar nela.

"La Higuera", (A Figueira – ainda não a vi traduzida para português), de Ramiro Pinilla, encheu-me de intranquilidade.

Não pelos assassinatos dos falangista nas povoações recém-conquistadas pelos fascistas, nem pela frivolidade do tiro na nuca aos presumíveis "vermelhos", republicanos ou possíveis inimigos do amanhecer que Franco e José António haviam desenhado para uma pátria "democrática" que nada gostavam.

Estas e muitas outras histórias são horripilantes.

Mas a atmosfera de "La Higuera" constitui a sua paisagem, mais envolvente ainda que a própria paisagem de Getxo, onde Rogelio Cerón, sem nunca sabê-lo, tomará consciência do que está a fazer, através do olhar do filho de um dos assassinados por ele.

O mais inquietante desta história que decorre à sombra e ao ritmo do crescimento duma figueira, é a convicção de Rogelio de que não abandonou as suas ideias, nem parece estar arrependido dos seus crimes, que julga como acções de guerra necessárias para limpar a pátria e no entanto dedica a vida a cuidar da figueira, como se tivesse recebido um mandato de algo mais além do olhar de um jovem de dez anos.

Crê de verdade Rogelio que está em perigo?

E, extrapolando essa convicção, sabemos por que tantas vezes nos obstinamos em dar sentido a um acto que se por um lado destrói a nossa vida passada, por outro dá sentido a esta nova e absurda decisão?

Como se no nosso interior houvesse um sexto sentido que nos está vetado conhecer, cheirar ou ouvir, que nos dita o que devemos fazer e o pretexto que temos que dar a nós mesmos, para justificar o injustificável.


O olhar do artista sobre o mundo, sobre os seus semelhantes, sobre os conflitos que nos agoniam e as doçuras que nos consolam, sobre a história de outros povos e da espanhola em particular, já passado, necessita da palavra para manifestar-se.

Só ela consegue que os espanhóis enfrentem uma história carregada de dores e sombras e sobretudo de contradições nos aspectos fundamentais da vida.

Já sei que os que não amam a leitura crêem de verdade na frase tantas vezes repetida:

"Vale mais uma imagem que mil palavras".

Sem dúvida, por mais que pense, não consigo adivinhar que imagem me poria frente a um conflito de consciência e de ética tão carregado de pretextos, que esconde a verdadeira dimensão da dor!


1 comentário:

mac disse...

"Não consigo adivinhar que imagem me poria frente a um conflito de consciência e de ética tão carregado de pretextos, que esconde a verdadeira dimensão da dor!".
Se calhar uma típica imagem de guerra ( ao estilo daquela famosa imagem daquela miuda vietnamita a correr nua)...Nestas alturas deve haver 1 indecisão brutal entre defender o país, ou 1 ideologia que te impingiram, e entre matar alguém...