


Era uma sexta feira à noite.
Chuviscava no Porto e arredores, depois de um dia nebuloso, que deixou a cidade escura e sonolenta.
Ás onze e meia, saí para a rua, à procura dum táxi, para uma ida à discoteca com amigos.
Passavam os carros, sempre em velocidade, mas táxis, nem vê-los, como se tivessem decidido mudar de rumo ou ficado em casa, aproveitando as primeiras horas do fim de semana.
De repente vi uma luzinha verde e instintivamente levantei a mão.
O táxi deteve-se, entrei, sentei-me e disse-lhe:
- Rua X, por favor.
O taxista voltou-se. Olhou-me com cara de mal humorado e disse:
- Não posso levá-la.
- Por quê?
- Porque não tenho trocos.
- Mas eu tenho uma nota de 20 euros.
- Não tenho troco para 20 euros.
- Eu tenho uma nota de 10 euros.
- Não tenho troco de 10 euros
-Tenho uma nota de 5 euros.
Atrás de nós, começaram as buzinadelas dos outros carros.
- A corrida custará mais
- Tenho moedas, disse-lhe, no limiar da loucura, mas com calma.
Quero pensar que o derrotei, mas creio que foram as apitadelas, cada vez mais prementes, que o decidiram.
O táxi, pôs-se em marcha.
O taxista era grande como um armário, pele branca e pelo canto do olho, podia ver-lhe uns óculos escuros que se moviam ao ritmo dos seus próprios gestos de impaciência e irritação.
Sem me deixar enredar pelo seu mau humor, acrescentei:
- Vou à Rua X, à Discoteca Y.
Não pude continuar.
Uma torrente de palavras encolerizadas, encostou-me toda ao assento.
- Não sou guia, nem tenho que saber onde ficam as discotecas e não quero saber para onde vai.
Dê-me o número da porta e basta, já faço muito em levá-la.
Estou acostumada a que os taxistas e, mais a mais estando a chover, procedessem doutra forma, disse-lhe secamente ...
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Durante todo o trajecto, não deixou de ronronar, não de prazer, como os gatos, mas como os terramotos, antes de produzir-se uma tormenta, quando ainda não cairam os primeiros raios.
Chegámos.
Paguei com as moedas, a quantia exacta que marcava o taxímetro.
Acrescentei:
- Dê-me a factura se faz favor.
- Claro que dou. Não faltava mais nada.
Havia sarcasmo no seu vozeirão.
E enquanto tirava do porta luvas, o livro de recibos, murmurou alto para si:
- Quero saber quem me paga o táxi. O partido comunista ou o Cavaco?
Naquele momento senti medo, um medo escuro e irracional que brotou do ambiente fechado do táxi.
Saí sem dizer nada e só quando entrei na discoteca é que me senti a salvo.
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