quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A BÍBLIA

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Os 5 volumes do Antigo Testamento e 2 do Novo Testamento


Ler isto é obra.


Já o fiz por duas vezes e ainda não "sei nada".

Também não sei se terei tempo e "coragem" para voltar a ler tudo.


(A Bíblia ao alto, na foto, é daquelas coisas que se compram ou nos oferecem para "enfeitar" a estante. Só para isso).


CAIM, de José Saramago






Só um pequeno reparo meu.

José Saramago é um Nobel. (Não foi ele que se auto-promoveu).

É um livre pensador que explana as suas ideias em liberdade e com liberdade de expressão.


Não há maior valor que isto e estes valores sobrepõem-se a qualquer mentecapto duma qualquer religião e mesmo a qualquer uma destas (religiões).

Felizmente a inquisição já foi enterrada há muito.


Trecho de 'Caim', de José Saramago

(...) Sucedeu então algo até hoje inexplicado. O fumo da carne oferecida por Abel subiu a direito até desaparecer no espaço infinito, sinal de que o senhor aceitava o sacrifício e nele se comprazia, mas o fumo dos vegetais de Caim, cultivados com um amor pelo menos igual, não foi longe, dispersou-se logo ali, a pouca altura do solo, o que significava que o senhor o rejeitava sem qualquer contemplação. Inquieto, perplexo, Caim propôs a Abel que trocassem de lugar, podia ser que houvesse ali uma corrente de ar que fosse a causa do distúrbio, e assim fizeram, mas o resultado foi o mesmo. Estava claro, o senhor desdenhava Caim. Foi então que o verdadeiro carácter de Abel veio ao de cima. Em lugar de se compadecer do desgosto do irmão e consolá-lo, escarneceu dele, e, como se isto ainda fosse pouco, desatou a enaltecer a sua própria pessoa, proclamando-se, perante o atónito e desconcertado Caim, como um favorito do senhor, como um eleito de deus.

(...) A cena repetiu-se, invariável, durante uma semana, sempre um fumo que subia, sempre um fumo que podia tocar-se com a mal e logo se desfazia no ar. E sempre a falta de piedade de Abel, os dichotes de Abel, o desprezo de Abel. Um dia Caim pediu ao irmão que o acompanhasse a um vale próximo onde era voz corrente que se acoitava uma raposa e ali, com as suas próprias mãos, o matou a golpes de uma queixada de jumento que havia escondido antes num silvado, portanto com aleivosa premeditação. Foi nesse exacto momento, isto é, atrasada em relação aos acontecimentos, que a voz do senhor soou, e não só soou ela como apareceu ele. (...)
Que fizeste com o teu irmão, perguntou, e Caim respondeu com outra pergunta.
Era eu o guarda-costas de meu irmão.
Mataste-o.
Assim é, mas o primeiro culpado és tu, eu daria a vida pela vida dele se tu não tivesses destruído a minha.
Quis pôr-te à prova.
E tu quem és para pores à prova o que tu mesmo criaste.
Sou o dono soberano de todas as coisas.
E de todos os seres, dirás, mas não de mim nem da minha liberdade, Liberdade para matar.
Como tu foste livre para deixar que eu matasse a Abel quando estava na tua mão evitá-lo, bastaria que por um momento abandonasses a soberba da infalibilidade que partilhas com todos os outros deuses, bastaria que por um momento fosses realmente misericordioso, que aceitasses a minha oferenda com humildade, só porque não deverias atrever-te a recusá-la, os deuses, e tu como todos os outros, têm deveres para com aqueles a quem dizem ter criado.
Esse discurso é sedicioso.
É possível que o seja, mas garanto-te que, se eu fosse deus, todos os dias diria Abençoados sejam os que escolheram a sedição porque deles será o reino da terra.
Sacrilégio.
Será, mas em todo o caso nunca maior que o teu, que permitiste que Abel morresse.
Tu é que o mataste.
Sim, é verdade, eu fui o braço executor, mas a sentença foi dada por ti.
O sangue que aí está não o fiz verter eu, Caim podia ter escolhido entre o mal e o bem, se escolheu o mal pagará por isso.
Tão ladrão é o que vai à vinha como aquele que fica a vigiar o guarda, disse Caim.
E esse sangue reclama vingança, insistiu deus.
Se é assim, vingar-te-ás ao mesmo tempo de uma morte real e de outra que não chegou a haver.
Explica-te.
Não gostarás do que vais ouvir.
Que isso não te importe, fala.
É simples, matei Abel porque não podia matar-te a ti, pela intenção estás morto.
Compreendo o que queres dizer, mas a morte está vedada aos deuses.
Sim, embora devessem carregar com todos os crimes cometidos em seu nome ou por sua causa (...)


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