quarta-feira, 1 de outubro de 2008

MORRER SEM SORTE

.A vida dos pobres seres humanos não depende de nada se acaso pende de um fio delgadíssimo, que além disso, para o consertar, é invisível.

No nosso destino influem menos a vontade e o carácter que o azar.

Uns chamam-lhe Providência, com maiúsculas e outros, mais modestos, chamam-lhe casualidade.

O certo é que os deuses nos devem uma explicação.

Quando acreditávamos que José Tomás (*) era o espanhol que estava mais perto da morte, todos o viram sair pela porta grande de Malagueta, em Málaga, triunfante, no que não foi notícia, mais a mais ileso, o que para ele foi bom.

Umas horas antes, havia-se registado uma das maiores catástrofes da aviação civil, nos nossos vizinhos espanhóis.

O McDonell Douglas-82, de quinze anos de idade, converteu-se num planeta de fogo rente ao solo.

153 pessoas, - quero dizer, 153 destinos - morreram, quando pensavam empreender outra viagem.

Sempre que uma desgraça nos faz uma visita inesperada fica-se a viver algum tempo connosco, mas depois dizemos isso de que "a vida segue, não pára".




É verdade.

Não sabemos como se compõe para seguir, mas segue.

A muitos passageiros ocorreu-lhes o mesmo: uns porque negociavam um bilhete mais económico, outros pelo "overbooking" e outros porque eram fieis à tradição da impontualidade, tal como os portugueses.

O único que é certo é que a morte não viajava nas suas malas, mas na sorte.

É isso que a justiça espanhola quer apurar, confiscando os vídeos que mostram a tragédia.

Para quê?

Os chineses da antiguidade, não os das Olimpíadas, que acreditavam mais no esforço, diziam que mais valia uma colher de sorte que um barril de sabedoria.

A verdade é que a vida é ininteligível.

Muito mais acima da pista de Barajas, como no verso de Juan Ramón Jiménez( **), «Dios se estaba bañando en su azul de luceros».



Já tinha problemas nos sistema de slats.


(*)
José Tomás, toureiro espanhol que cortou 3 orelhas na sua reaparição em Salamanca, depois duma grave colhida.

(**)

PEÇO DESCULPA. NUm emaranhado de livros ...
Mas não consegui descobrir o verso de, Juan Ramón Jiménez, tenho-o traduzido, mas nesta data … foi-se

Deixo este:

EL OTOÑADO

Estoy completo de naturaleza,
en plena tarde de áurea madurez,
alto viento en lo verde traspasado.
Rico fruto recóndito, contengo
lo grande elemental en mí (la tierra,
el fuego, el agua, el aire), el infinito.

Chorreo luz: doro el lugar oscuro,
trasmito olor: la sombra huele a dios,
emano son: lo amplio es honda música,
filtro sabor: la mole bebe mi alma,
deleito el tacto de la soledad.

Soy tesoro supremo, desasido,
con densa redondez de limpio iris,
del seno de la acción. Y lo soy todo.
Lo todo que es el colmo de la nada,
el todo que se basta y que es servido
de lo que todavía es ambición.

Outonado

Completo estou eu de natureza,
em plena tarde de áurea madurez,
alto vento no verde trespassando.
Rico fruto recôndito, contenho
o vasto elementar em mim (a terra,
o fogo, a água, o ar) o infinito.

Jorro luz: douro o lugar escuro;
ressumo olor: a sombra cheira a deus;
emano som: a amplidão é funda música;
filtro sabor: a mole bebe a minha alma,
deleito o tacto de toda a solidão.

Sou um tesouro supremo, desprendido,
com densa redondez de pura íris,
do íntimo da acção. E sou-o todo.
O todo que é o cúmulo do nada,
o todo que se basta e é servido
pelo que todavia é ambição.


.

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