segunda-feira, 7 de abril de 2008

ADEUS MEU QUERIDO PASSADO









A caída a pique do consumo, que não se sabe se poderá levantar-se, vai determinar o encerramento de muitos pequenos comércios.

Deduz-se, face aos números que se prevêem que somos um país de pequenos comerciantes, ou seja, de gentes especializadas em escala menor em levar algo desde onde abunda até onde falta.

O que chamam "desaceleração económica" não consiste em avançar menos, mas sim andar para trás.

É algo equivalente ao que na guerra, ambas as partes, em certas ocasiões, denominam "progressão até à retaguarda".

O caso é que os pequenos comerciantes de bairro, onde se fiava aos vizinhos e se conheciam os seus gostos, bem como as possibilidades de satisfazê-los, estão chamados a desaparecer e não há mais remédio que atenda a essa chamada.

Ouvi-la-ão, sem dúvida, os grandes armazéns e superfícies comerciais.

Como em tempos, em vez do puzzle africano, tínhamos propriedades além mar, essas que se chamavam "tendas ultramarinas".

É curioso que ás vezes se sinta nostalgia de coisas que não sentimos saudades.

Talvez seja porque formam parte da nossa irreparável vida.

Não sentimos saudades, mas tão-pouco as podemos deixar nos ouvidos.

Passei uma boa parte da minha infância, quer na inicial, quer posteriormente, a ver essas tendas.

"Rapaz, vai fazer-me um recado", (alguns, malcriadamente, mandavam os mais velhos fazê-los).

Recordo, séculos depois, aquelas facas de cortar bacalhau e os cilindros com êmbolos por onde corria o pacífico azeite.

Também as barras maciças de áspero sabão, como azulejos para edificarem a higiene do pós-guerra.

Havia barris náuticos, com arenques ou sardinhas esticados, que eram como um altar desconstruído.

Velhas tendas de bairro.

Eu ia à da Mélita e gostava muito.

Não da tenda, mas sim dela.

Teria uns seis a sete anos mais que eu.

Portanto é muito provável que ainda esteja viva.


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