terça-feira, 4 de março de 2008

NÃO SE MORRE DE VÉSPERA ! ! !




Sentou-se por cima da tampa da mala e forçou os fechos de cada lado, até conseguir uni-los, entre as suas pernas.

- Cansas-me!
Estupidificas-me ao ter que falar sempre do mesmo e tu sem entenderes nada.

Baixou a mala e agarrou a pega, com visível nervosismo, pousando-a contra uma parede, no hall de entrada do quarto.

- Vou-me embora!
Cansei-me de falar com neurónios depressivos e quase mortos.
E isto tem que ver com a amizade.
Não me considero tua amiga.
Não posso!
É impossível ver amizade entre tanto egoísmo.
Tuuuudo tem que ser como tu queres … tuuuuuudo!
Senão, a madame, deprime-se …
A madame chora.
Miúda tão rica como estúpida.

Basta!!!

Em posição fetal sobre o cadeirão da saleta, Margarida soluçava e escutava a irada despedida da sua companheira de quarto.

Ia lamentar-se por ela querer partir.

Joana, era a sua única amiga e tinha razão.

Odiou-se ao dar-se conta dos seus erros no meio duma crise.

Mas era orgulhosa, isso fazia-a insistir nos seus pontos de vista, até que a paciência de Joana chegou ao limite da tolerância.

Como hoje.

Só que … Joana, nunca tinha feito as malas antes.

E o que era ainda pior, é que ela atirou a roupa para dentro da mala, sem se preocupar se se enrugava …

Tudo com a força da sua determinação.

- Logo à noite, assim que tenha um local para me alojar, passo por cá, para recolher a mala.

A força da porta a bater, mostrou o nível de indignação e ira da sua companheira, quando por fim, partiu.

Talvez, à noite, quando voltasse para pegar na mala, estivesse mais calma e poder-lhe-ia pedir perdão.

Na rua, Joana deteve-se e respirou profundamente … sentia pena e arrependimento.

Talvez, à noite, quando fosse buscar a mala, já mais calma, pedir-lhe-ia perdão. ...

- ... O táxi deteve-se e o motorista acendeu a luz interior.

Joana já tinha preparado o dinheiro para pagar-lhe.

Desceu do veículo e olhou para o 5º andar, onde tinha a mala.

Uma sombra passou rapidamente perto da janela e em poucos segundos, a luz do quarto apagou-se.

Como noutras ocasiões em que Margarida permanecia envolta no seu orgulho, certamente que fingiria que estava a dormir para não falar.

- Enfim! Suspirou.

Com cuidado, fazendo parte da noite, abriu devagar a porta para pegar na mala que tinha deixado no hall.

Por um segundo, conteve o impulso de acender a luz e desmascará-la, mas não teria o menor sentido fazê-lo … assim que pegou na mala, saiu.

Pela manhã, voltaria para levar o resto dos seus pertences.


8.30 h, toca o telemóvel.

Tacteou com os olhos semi-cerrados por cima da mesa de cabeceira e sentou-se na cama para atender.

Detectou que era o telemóvel de Margarida.

Uma sensação de inquietude se misturou com a saturação do dia anterior ao recordar as variações de carácter da sua companheira.

- Está?

- É a menina Joana?

- Sim …

- Sou o sargento Victor e queria falar consigo agora mesmo.
Onde se encontra?

- Senhor Victor, estou muito assustada … esta chamada a partir do telemóvel da minha amiga, feita por si …

- Menina, sinto ter que lhe dizer, mas há motivos para o seu alarme.

Em que sítio se encontra?

- Estou na Pensão Estrela, na Rua de S. Julião, 27.

- Em poucos segundos, um carro estará aí, peço-lhe que venha.

O carro dirigiu-se ao local, onde durante alguns anos havia convivido com Margarida.

Nas imediações estava uma dúzia de polícias, diversos carros policiais com a suas luzes a piscar.

Também havia uma ambulância.

Joana mal chegou, verificou que tanto aparato só podia significar que a sua amiga estava morta.

O queixo começou a tremer-lhe prenunciando um pranto.

Um oficial abriu-lhe a porta do carro para ela descer.

Alguém a amparou por debaixo dum braço, ao ver que as suas pernas tremiam.

Trouxeram-lhe uma cadeira.

- Margarida, está … ?

- Lamento-o muito, disse o sargento. Assassinaram-na.

Joana não pode conter os vómitos

- É necessário que entre connosco na casa, pode haver algo que nos possa elucidar.

A porta da entrada do quarto, estava com uma faixa vermelha, o sargento levantou-a para que ambos pudessem entrar.

Mais além do hall de entrada, depois de transposta a porta, estava tudo revolto.

O sargento conduziu-a lentamente até ao quarto onde se encontrava a sua cama e a de Margarida.

No centro, um vulto coberto com um lençol, revelava a forma de um corpo, que parecia estar numa horrível contorção.

Num dos lados, via-se uma pequena mão descoberta e … ensanguentada.

Novamente tiveram que ampará-la pelas axilas, para sustê-la e não cair.

Pediram-lhe que olhasse para um dos espelhos do quarto, onde o assassino havia deixado um recado, escrito com o próprio sangue da sua vítima.

Joana levantou a sua cabeça e leu …

" Se tivesses acendido a luz … estarias junto a ela "!


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