domingo, 23 de setembro de 2007

SEM EMPURRAR


Da conta só se retira, do que se lá pôs !







Um dos mais memoráveis dos meus conterrâneos, disse uma coisa tão confortadora como incerta:

“quem é jovem, é jovem para toda a vida”.

Insistia Picasso, numa ideia de Machado de Assis:

“que a juventude única, a verdadeira, é a de dentro e não a de fora”.

Mentira.

Mentira consoladora, mas mentira.

As pessoas mais idosas não são mais velhas, porque vamos sê-lo cada dia mais.

Sem a nossa permissão, o corpo demite-se de algumas funções e começa a colocar-se no ridículo.

Reflexiono sobre estas coisas, não só pela íntima proximidade de uma pessoa, como também pelo convencimento de que os anos têm, entre outras obrigações, a de nos agravar.

A Europa é um continente velho, não pela sua história, mas sim porque tem muitos velhos e em Portugal estamos a bater todas as marcas.
No ano de 2050, quando muitos de nós já teremos muito tempo de nacionalizados na indiferença, seremos o país europeu, ou um dos países, com maior proporção de pessoas anciãs, já que cerca de 30 e pico por cento de compatriotas estarão numa idade adequada para espetar o dente.

Noutras épocas era diferente.

Falando de dentes, quando Cícero fincou o seu, que era de ouro, bordeava os 60.

Antes de ser um ancião havia escrito o “De Senectute”
(*), ou seja quando não havia transitado os seus arredores.

Os avanços da medicina são os culpáveis do prolongamento da vida.

Segundo o Eurostat, a população de mais de 65 anos, que é uma idade que se aproxima daquela, pode passar dos 75 milhões que havia no ano passado, (2006), a mais de 135 milhões que haverá dentro de quarenta e picos anos.

Que vamos fazer com tantas pessoas que têm já feita a sua vida?

Não está bem visto considerá-los material de descartar.

A mim, por exemplo, não me convém essa teoria, mas a verdade é que começamos a estorvar.

Circulem! Circulem! Já vamos mas sem empurrar.

(*)

Cicero, De Senectute - XVIII,63,64.

Dizem que o Lacedemónico, (espartano), Lisandro, de quem fiz referência, tinha por costume dizer que o domicilio mais digno da velhice ficava na Lacedemónia, (Esparta). Com efeito, em nenhuma parte era concedido tanto valor à idade, em nenhuma parte a velhice era mais estimada e respeitada. Ficou na tradição, que certo idoso tivesse ido ao teatro em Atenas durante os jogos públicos. Em nenhuma parte na grande assembleia lhe foi cedido um lugar pelos seus concidadãos, porém, como se tivesse aproximado dos Lacedemónicos, (espartanos), que eram embaixadores, tinham-se sentado nos lugares reservados, todos se levantaram e receberam o idoso e mandaram-no sentar. Ouviu-se um enorme aplauso por toda a assistência e um deles disse que os atenienses sabiam o que era correcto, mas que não quiseram fazê-lo.

(PICASSO foi quase 46 anos, meu conterrâneo no mundo. Não me vou imiscuir no seu mundo, como não autorizei que ele se intrometesse comigo. Sou arrogante ? Ele não o foi ?)

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